quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Coluna da Vickie: Texto que escrevi


Skyscraper by Demi Lovato on Grooveshark

Ela acordou. Que dia difícil. O jeito foi dormir a tarde inteira. Olhou no espelho. Cabelo liso. Por que isso? Todas as amigas dela tinham cabelos volumosos e coloridos, e ela tinha um cabelo sem graça. Ele estava certo. Ela era feia. Olha esse rosto. Olha esse corpo. Que gorda. Precisa fazer imediatamente uma dieta. Mas ela está olhando pra um pacote de Doritos. Senta-se na cama, abrindo o pacote. É bom. Ela aposta que as amigas comem toda hora. Afinal, todas são magras. Terminou. Já? Levanta de novo. Meu Deus, ela deve ter engordado 500 quilos! Mas isso não é possível.... olha essas pernas grossas! Que horror, nenhuma calça deve caber nela. A mãe chamando. Que raiva, será que ela não podia ficar em paz? Mas paz era a última coisa que ela tinha.  A calça do uniforme estava apertada. A blusa também. Os pés gordos pisavam o chão frio. Ela abriu a porta de madeira. Devia ser umas oite, nove horas da noite. Pensou. O menino que ela gostava. A chamou de gorda na frente de todos! Lembrou-se das risadas, das pessoas apontando. Lembrou-se da mãe ligando para o nutricionista. Ela devia estar com obesidade mórbida. O banheiro estava fechado. Ela empurrou a porta. Subiu em cima da balança. Não. Não tinha coragem de olhar o número. Deveria? Não. Desceu. Olhou para o vaso sanitário. A tampa estava levantada. Olhou no pequeno espelho. Olha essas espinhas. E essas manchas terríveis debaixo dos olhos. Olheiras? Deveria ser. Não dormia direito há séculos. Sentiu o estômago embrulhando e aquele gosto picante na boca. Ajoelhou-se. Colocou o dedo gordo na garganta. Pronto. Tudo pra fora. Que nojo. Nojento, como ela. Se sentia mais magra. Deu a descarga e voltou para o quarto. Trancou a porta. 
Por que ela tinha que ser tão feia? Tão chata, tímida. Não tinha amigos. A única amiga a trocou. Era filha única, nada de experiência social. O pai trabalhava o dia inteiro e tinha certeza que a mãe tinha vergonha da filha. Lágrimas brotaram nos olhos amendoados. Ela tinha que ser bonita. Só assim ele ia gostar dela. Tinha que ser magra. Afinal, todas as mulheres bonitas são magras, não é? Nenhuma modelo usava óculos, nem aparelho. A Angelina Jolie? Nasceu perfeita. Não nasceu prematura e doente que nem ela. Não nasceu com diabetes. Não tinha que esconder barras de chocolate debaixo do travesseiro. Não tinha que injetar uma substância todos os dias na barriga. Lembrou-se do Halloween, quando a garota popular, aquela ruiva, metida... disse que não precisava de fantasia. Óbvio que não, já era um monstro. Lembrou-se do banheiro trancado. Da dor no coração. Do apontador no bolso direito. Daquela lâmina afiada e da sensação de cortar a própria pele. Ver o sangue jorrando. Queria morrer. Queria sumir, desaparecer. Lembrou-se também do aniversário da amiga. Teve que injetar a insulina na frente de todos. Lembrou-se dos barulhos de vômito, das zoações e brincadeiras. Lembrou-se dela pegando o celular tremendo. Da voz da mãe. Do apelo. Lembrou-se da coordenadora. Que disse que ela não precisava se preocupar. Que tudo iria ficar bem. Mas logo saiu, para o refeitório. Sentiu o cabelo molhado. Será possível que jogaram refrigerante nela? Era. E aqueles mugidos. O apelido de vaca. A chamavam de vaca. Por que? O que ela fez? Sabia. Ela não era perfeita. Era burra, gorda, feia e antissocial  Não lembra da última nota acima de seis que tirou. Não lembra de uma conversa com o pai sem ser chamada de irresponsável. Mas como poderia estudar se as pessoas a chamavam de hermafrodita, de nojenta, de ridícula? Toda vez que levantava a mão para perguntar algo, ficavam mugindo. Como iria estudar olhando a ex-melhor amiga se divertindo com a ruiva? Como poderia sequer pensar em se esforçar quando o menino que era apaixonada ficava fazendo barulhos de vômito quando a via? Não tinha amigos. Era sozinha.
Pegou a lâmina. Pequena. Ela estava cansada disso. Estava doendo. Sua última sessão deixou marcas. Estavam em pleno verão e tinha que usar mangas compridas. Lembra-se da última aula de matemática quando um dos cortes recomeçou a sangrar e encharcou a prova da menina. Lembra-se da enfermeira. A enfermeira viu. Teve que implorar para não contar para seus pais. Disse que era seu gato. Isso não funcionava. Então levantou-se e escreveu com a lâmina na própria barriga: feia. Estava doendo. Talvez a gordura saísse. Mas só saia sangue. Pegou o lençol e amarrou. Deitou na cama e recomeçou a chorar. Que menino iria querer sair com uma garota cortada? Toda machucada, sangrando e...feia? Vaca. Nojenta. Burra. Hermafrodita. Não podia conter o choro. Não sorria mais. Não se lembrava da última vez que riu. Abriu a gaveta. Cheia de comprimidos. Abriu vários. Quantos? 10. Olhou para o copo d'água. Estava quase vazio. Tinha que ser rápida. Escolheu só cinco. 10 era muito. Os maiores. Como ela. Ingeriu tudo rapidamente. Sentiu enjoo. Tontura. Nojo de si mesma. Ah, como se odiava. Antes dos remédios fazerem efeito, voltou a banheiro. Se pesou. Olhou o número com olhos arregalados. Imensa. Gorda. Era mais do que imaginava. Voltou para o quarto e fechou os olhos. O número flutuando na sua mente. Sentiu um baque no coração. Morreu com aquele número nos olhos. 27 quilos. Com certeza suas amigas eram muito mais magras. Muito mais...perfeitas.


texto por victoria//inspirado no livro morte súbita-j.k.rowling

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